Arquivo mensal: maio 2014

Experimentando Amsterdã

Ao escolher os lugares que visitaria durante um tour pela Europa, Amsterdã foi a primeira cidade que surgiu na minha mente. E não, não foi por causa do distrito vermelho, reduto do sexo que atrai turistas curiosos; e nem pela oportunidade de, livremente, experimentar a maconha nos famosos coffeshops. Mas talvez pelo o que isso representa: o pensamento liberal. Não é todo dia que se encontra uma sociedade onde a prostituição e a maconha são legalizadas e regulamentadas, onde o estado é verdadeiramente laico. Questões discutidas com ardor em congressos e parlamentos de outros países, como casamento gay, eutanásia e aborto, já são permitidas há décadas em Amsterdã. O automóvel é um entrave e a maioria da população utiliza (e prefere!) o transporte público ou a bicicleta.
Mas esses fatores talvez não sejam tão perceptíveis quando se está apenas de passagem. E é aí que surgem outros argumentos para decidir visitar Amsterdã. Uma cidade praticamente dentro de um rio, repleta de pontes e casas-barco. Bicicletas pra todo lado – todo lado mesmo!! E uma arquitetura simples e rústica. Muito charmosa!!

Antes de embarcar, li A Arte de Viajar, do filósofo Alain de Botton, que num trecho descreve um aspecto da Amsterdã moderna: “Prédios com tijolos longos de um tom cor-de-rosa pálido e unidos por argamassa curiosamente branca; longas fileiras de prédios estreitos do início do século XX, com amplas janelas no térreo; bicicletas estacionadas em cada casa ou quarteirão; o desgaste democrático do mobiliário urbano; a ausência de construções ostentosas; ruas retas pontuadas por pequenos parques. Numa rua com prédios uniformes, parei diante de uma porta vermelha e senti um desejo intenso de passar o resto da vida ali. […] Meu amor pelo prédio de apartamentos baseava-se naquilo que a mim se afigurava como sua modéstia. Era confortável sem ser grandioso. Sugeria uma sociedade atraída por um meio-termo financeiro. Havia honestidade em sua concepção. Enquanto em Londres os portões de prédios tendem a imitar a aparência de templos clássicos, em Amsterdã eles aceitavam seu status, evitavam pilares e acabamentos em gesso, optando pelos tijolos puros sem decoração. O prédio era moderno no melhor sentido da palavra, passando uma mensagem de ordem, simplicidade e leveza.”

2014-05-21 - Amsterda (1)(Arquivo pessoal. Herengracht, Amsterdam – jan/2013 . Arte by Adriana Amanari)

Ordenada, simples, leve… e charmosa. Resume bem! Amsterdã concentra aspectos materiais e imateriais que me atraem e foi a soma desses aspectos que me levou até lá, uma vontade de presenciar um outro estilo de vida, esse “meio-termo”, mais ajustado à minha identidade, ao que eu gostaria de vivenciar diariamente.
Para vivenciar o espírito liberal, matar a curiosidade no bairro da prostituição (sem tirar foto, é proibido!) ou apenas pra fazer check-in no Foursquare, a visita vale à pena. Amsterdã é uma cidade pequena e as atrações se concentram na parte central, o que permite uma visita de poucos dias. O Rijksmuseum, o museu Van Gogh e a casa de Anne Frank são as atrações mais famosas para os fãs de arte e museus. A cidade também possui belos parques e os famosos passeios de barco pelo rio Amstel. Tudo isso é possível aproveitar em três dias se locomovendo à pé, de bicicleta ou de tram – igualmente seguros. E uma dica confortante: a comunicação em inglês é possível em praticamente todo lugar, inclusive com a população local. Acredite, isso faz muita diferença, principalmente pra quem viaja sozinho.

Aproveito o primeiro post dessa seção para lembrar que a proposta aqui não é fazer um guia de turismo ou gastronomia – a internet já está repleta deles – mas compartilhar impressões, sensações e experiências de viagens à vários destinos, inclusive esses do dia-a-dia, como uma viagem ao café mais próximo…

Kelly Mendonça
 Amante das Ciências Humanas, viagens, cafés e outras delícias…

Toda arte é inútil

Toda arte é inútil (ou porque estamos aqui)

O artista é o criador de coisas maravilhosas.
Revelar a arte, esconder o artista é a meta da arte.
O crítico é aquele capaz de traduzir para uma outra maneira, ou para um novo material, sua impressão das coisas maravilhosas.
Tanto a forma mais elevada, como a forma mais baixa de crítica, é um modo de autobiografia.
Os que descobrem significados feios nas coisas maravilhosas são corruptos deselegantes. Isto é um erro.
Os que descobrem significados maravilhosos em coisas maravilhosas são os ilustrados. Para estes, há esperança.
São os eleitos, para quem as coisas maravilhosas significam apenas beleza.
Não existe isto de livros morais ou imorais. Livros são coisas bem escritas ou mal escritas. E só.
A antipatia do século XIX pelo realismo é a fúria de Caliban olhando – seu rosto no espelho.
A antipatia do século XIX pelo romantismo é a fúria de Caliban não olhando seu rosto no espelho.
A vida moral do homem faz parte do tema do artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito.


Nenhum artista deseja provar coisa alguma. Até mesmo as coisas verdadeiras podem ser provadas.
Nenhum artista possui simpatias éticas. Num artista, a simpatia ética é um maneirismo de estilo, imperdoável.
Não há artista mórbido. O artista pode expressar qualquer coisa.
O pensamento e a língua são, para o artista, instrumentos de uma arte.
O vício e a virtude são, para o artista, matéria de uma arte. Sob o ponto de vista da forma, o tipo de todas as artes é a arte do músico. Sob o ponto de vista da sensação, o ofício de ator é o tipo. Toda arte é, ao mesmo tempo, superfície e símbolo. Os que descem além da superfície fazem-no a seu próprio risco. Os que leem o símbolo fazem-no a seu próprio risco.
É o espectador, e não a vida, que a arte, na verdade, espelha.
A diversidade de opinião a respeito de uma obra mostra que a obra é nova, complexa e vital.
Quando os críticos discordam, o artista está em acordo consigo mesmo.
Podemos perdoar um homem por fazer uma coisa útil, desde que ele não a admire. A única desculpa para fazer uma coisa útil é que a admiramos com intensidade.
Toda arte é demasiado inútil.


Oscar Wilde

(Postado por Zázu Morani)